Minas Gerais
09h28 09 Abril 2019
Atualizada em 09/04/2019 às 09h30

Homofobia gera indenização a empregado que era ridicularizado pelo chefe em supermercado em Minas

Por BHAZ

Um empregado que era reiteradamente ridicularizado pelo superior hierárquico, por ser homossexual, em uma prestadora de serviços de conservação e limpeza, foi indenizado por danos morais no valor de R$ 30.787,60. A tomadora dos serviços, uma rede internacional de supermercados que atua no mundo inteiro, foi considerada subsidiariamente responsável pelo pagamento da indenização. A decisão reconhece a necessidade de proteção das minorias, tanto por meio da legislação como pela atuação do Poder Judiciário.

A sentença, da lavra do juiz Tarcísio de Correa de Brito, da 5ª Vara do Trabalho de Juiz de Fora, na Zona da Mata, trata dos direitos humanos no âmbito nacional e internacional, retratando os preconceitos sofridos pela comunidade LGBTQIA+, sigla que abrange lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, travestis, transgêneros, queers, intersexuais, assexuados e outros mais, adaptando-se às classificações sexuais do mundo moderno.

homofobia___bandeira___sol.jpgTRT-MG/Divulgação

A versão das partes envolvidas

O encarregado alegou que o gerente lhe dirigia ofensas e provocações, já tendo dito: “Seu cabelinho não é de homem”, “Blusa rosa não é de homem”, “Dengue não é coisa de homem”, e por aí vai. Afirmou que a conduta causava-lhe humilhação, vergonha e afetava sua autoestima. Já a empregadora, sustentou que havia uma relação de amizade entre o gerente e o trabalhador e que eles sempre “brincavam entre si”.

De acordo com a defesa, o empregado jamais teria comunicado que sofria esse tipo de constrangimento no local de serviço, tanto que trabalhou lá por mais de dois anos. Por sua vez, o supermercado afirmou se tratar de empresa de grande porte, conceituada e reconhecida internacionalmente, que trata seus empregados com respeito e profissionalismo.

Depoimentos reveladores

Mas os argumentos das rés não foram acatados. Ouvida como testemunha, a supervisora operacional e gestora do contrato de prestação de serviços celebrado entre as empresas revelou que o “gerente de prevenção” era o supervisor do autor da ação, confirmando o tratamento injurioso que imperava no local de trabalho. Ela apontou que o gerente tratava o encarregado de forma diferente, com certa implicância, e lhe dirigia ofensas homofóbicas. Criticava o cabelo, o jeito de andar e outras observações desrespeitosas relativas à orientação sexual do trabalhador. Segundo relatou, certa vez esse gerente queria que o autor voltasse para casa para trocar uma camisa porque era cor de rosa, quando, então, ela mesma teve que intervir.

Dano moral configurado

A decisão reconheceu a violação explícita a todo o conjunto normativo internacional e nacional de proteção ao autor enquanto integrante da comunidade LGBTIQ+, por intermédio do gerente, empregado do tomador dos serviços, em flagrante gestão por injúria, tanto no âmbito privado quanto público.

Com amparo no artigo 5º, incisos V e X da Constituição Federal, garantiu o direito do trabalhador à reparação por dano moral. O entendimento se baseou também nos artigos 186 e 927 do Código Civil brasileiro, que estabelecem a responsabilidade civil do agente causador do dano, no caso, as empresas envolvidas.

Segundo constou da decisão, os prejuízos morais sofridos pelo autor dizem respeito aos atributos da personalidade, como a honra, a intimidade, a vida privada, a moralidade, a privacidade, a imagem, etc. “O ato ilícito em si faz gerar, inexoravelmente, a ofensa de ordem moral no indivíduo”, registrou o juiz, entendendo não ser necessária a prova do dano moral.

A Constituição de 1988 e os direitos da comunidade LGBTQIA+

Para destacar o alcance do artigo 4º da CF/88, que estabelece o princípio da prevalência dos direitos humanos como base da República Federativa do Brasil, principalmente em suas relações internacionais, o juiz citou, entre outros grandes juristas, o internacionalista Valério Mazzuoli.

Segundo registrado, ao analisar o tema dos direitos humanos da comunidade LGBTQIA+, o professor reconhece que, além de uma questão cultural que subsiste em inúmeros contextos de perseguição e de violação de direitos dos integrantes desses grupos, há questões políticas que fomentam a violência e a perseguição a eles direcionada, em desrespeito aos princípios e às normas do Direito Internacional Público contemporâneo.

Nesse ponto, o juiz destacou que o artigo 3º, IV, da CF/88 reconhece que um dos objetivos da República Federativa do Brasil é promover o bem-estar de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

A condenação

Diante do contexto apurado, a sentença condenou a empregadora, com responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, a pagar ao trabalhador indenização por dano moral, fixada no valor de R$ 30.787,60. Para tanto, o juiz levou em conta a grave violação reiterada aos direitos tutelados para o grupo LGBTIQ+, praticada pelo gerente do supermercado, com a tolerância da empregadora e dos responsáveis por ambas as empresas, destacando, sempre, que a gestora da empregadora tinha conhecimento dos fatos e pouco fez. Segundo os fundamentos, outro gerente do tomador teve ciência das provocações reiteradas ao trabalhador e também pouco ou nada fez.

A decisão reconheceu ainda a responsabilidade subsidiária da rede de supermercados pelo pagamento da indenização por danos morais ao trabalhador. Para o magistrado, houve flagrante descumprimento das obrigações inerentes ao contrato de emprego, com a conivência explícita e implícita do tomador dos serviços, considerando que a prática de ato discriminatório contra o trabalhador foi provocada por ato de seu colaborador.

homofobia___maos.jpgTRT-MG/Divulgação

O magistrado determinou que, após o trânsito em julgado da sentença, seja expedido ofício à Secretaria Municipal de Atividades Urbanas de Juiz de Fora para a lavratura de auto de infração contra o supermercado e o gerente de quem partiu as condutas homofóbicas, com cópia da sentença.

A decisão também determinou que cópias das decisões judiciais sejam remetidas ao centro de referência para a defesa e valorização da autoestima e capacitação profissional do cidadão homossexual, bissexual e transgênero ou similar, no âmbito municipal, para conhecimento.

Do Tribunal Regional do Trabalho – MG

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