De acordo com informações da Mercy For Animals (MFA), as cerca de 3 mil vacas que estavam confinadas há dois meses no navio Spiridon II finalmente desembarcaram no porto de Benghazi, na Líbia. Apesar de o país não possuir acordo fitossanitário com o Uruguai, origem dos animais, o importador conseguiu um entendimento com as autoridades locais, que autorizaram a descarga. O desembarque encerra um impasse que se estendia desde setembro e que mobilizou organizações internacionais, governos e entidades de bem-estar animal.
O navio Spiridon II deixou Montevidéu em 20 de setembro, com destino ao porto turco de Bandırma. Ao chegar à costa da Turquia, em 22 de outubro, a embarcação teve o desembarque negado pelas autoridades sanitárias devido a inconsistências graves na documentação e falhas na identificação do gado.
Segundo o laudo turco, 146 animais estavam sem brincos de identificação ou com brincos ilegíveis, enquanto 469 apresentavam marcas que não coincidiam com as listas oficiais. A inspeção também registrou 48 mortes durante a travessia, o que elevou o alerta sobre risco sanitário e manejo inadequado.
A recusa da Turquia deu início a uma sequência de tentativas frustradas de atracação, deixando os animais confinados em alto-mar por semanas.
Relatórios de organizações que acompanharam o caso descrevem a situação dentro do navio como “degradante”. As denúncias incluíram forte odor e infestação de moscas, carcaças empilhadas no convés, resíduos putrefatos gerados pela decomposição e vazamento de fluidos orgânicos por conta da má gestão das carcaças.
A Animal Welfare Foundation (AWF) informou ainda que houve cerca de 140 nascimentos durante a viagem, muitos deles em condições precárias.
A especialista Maria Boada, da AWF, chegou a alertar que os animais não tinham alimento suficiente e que muitos não resistiriam a mais semanas no mar. A veterinária australiana Lynn Simpson, referência mundial em transporte marítimo de gado, relatou riscos sanitários e ambientais associados à presença de carcaças em decomposição e descartes irregulares.
Após ser impedido de descarregar na Turquia, o Spiridon II deixou o país em 14 de novembro, cruzou o Estreito de Çanakkale e chegou a iniciar rota de retorno ao Uruguai, com chegada estimada para 14 de dezembro, segundo dados do MarineTraffic.
No entanto, a rota mudou repentinamente e no sábado (22), o navio atracou no porto de Benghazi, na Líbia, onde finalmente recebeu autorização para o desembarque dos animais.
Desde o início do impasse, a Mercy For Animals manteve contato com instituições do Oriente Médio e da América Latina, monitorando a situação e pressionando por desfecho que evitasse a morte dos animais durante o trajeto.
O caso reacende o debate sobre os chamados navios boiadeiros, frequentemente alvo de denúncias por operar com infraestrutura precária, superlotação e baixa fiscalização. Relatórios internacionais apontam que as condições inadequadas favorecem:
O episódio também reacende discussões no Brasil, atualmente o maior exportador de animais vivos do mundo. A MFA projeta que o país deve superar 1 milhão de bovinos embarcados em 2025, o maior volume da história.
Duas propostas avançam no Congresso em resposta à pressão crescente de entidades e especialistas: o PLP 23/2024 e o PL 786/2024, que pretendem desestimular a atividade com tributação mais alinhada aos riscos sanitários, ambientais e de bem-estar animal.