Economia
22h10 15 Julho 2025
Atualizada em 15/07/2025 às 22h10

Comissão aprova PEC que atrasa em dez anos a inclusão total dos precatórios na meta fiscal

Por Mariana Carneiro e Giordanna Neves Fonte: Estadão Conteúdo

Uma proposta de emenda constitucional (PEC) aprovada nesta terça-feira, 15, em comissão especial na Câmara dos Deputados permitirá ao governo retirar os gastos com precatórios (dívidas judiciais da União) do limite de despesas do arcabouço fiscal. A medida prevê que essas despesas voltarão a ser computadas na meta fiscal em 2027 a uma velocidade de 10% ao ano - o que pode retardar em dez anos a incorporação total desses gastos bilionários no resultado das contas públicas.

O texto ainda precisa ser votado no plenário da Câmara. A iniciativa dá saída a uma incerteza em relação ao Orçamento de 2027, uma vez que decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de 2023 previa que todo o pagamento deveria ser inserido na contabilidade oficial em 2027 - atualmente, parte é paga dentro das regras fiscais e parte fica fora.

Como se trata de uma despesa estimada em cerca de R$ 125 bilhões pelo governo, especialistas em contas públicas avaliavam que ela acabaria comprimindo todos os demais gastos, inviabilizando o funcionamento da máquina pública. Ou seja, haveria a necessidade de uma solução pelo governo.

A relatoria da PEC 66, como foi numerada, foi entregue ao deputado Baleia Rossi (MDB-SP), presidente do partido da ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, responsável pela elaboração da peça orçamentária.

Além da velocidade mais lenta para a incorporação dos precatórios federais, a PEC também institui limite para o pagamento de precatórios pelos municípios e abre novo prazo de parcelamento de débitos dos municípios com seus regimes próprios de Previdência Social e com o Regime Geral de Previdência Social.

Os gastos com precatórios também ficarão de fora do limite do teto de gastos do arcabouço fiscal - esse limite é reajustado anualmente ao limite de até 2,5% ao ano acima da inflação - já a partir de 2026. Eles não voltarão mais a ser computados no teto de gastos.

Com essa retirada, a PEC prevê que a base de cálculo do teto seja recalculada, levando-se em conta o valor sem os precatórios em 2025 e corrigindo só a partir daí. Isso, por si só, não abrirá espaço para novos gastos do governo em 2026, na visão de Felipe Salto, economista-chefe da Warren Investimentos.

"Em princípio, tais mudanças não implicam aumento do espaço fiscal em relação à situação atual estabelecida pelo STF em 2023. Hoje, os precatórios excedentes ao subteto são excluídos do limite de despesas do Novo Arcabouço Fiscal. Com a mudança proposta, todos os precatórios serão subtraídos, mas o limite de despesas será reduzido no valor do subteto", escreveu, em relatório distribuído a clientes.

Mas, em outro capítulo, o governo Lula conseguiu, na proposta, um bônus para gastar mais em pleno ano eleitoral. Baleia Rossi incluiu um dispositivo que permite ao governo incorporar no teto de gastos de 2026 os R$ 12,4 bilhões adicionais que resultaram do recálculo da projeção de inflação usada na regra que fixa o limite de gastos.

Tiago Sbardelotto, especialista em contas públicas da XP Investimentos, afirma que a PEC "antecipa a solução de um problema que surgiria em 2027 com a reinclusão dos precatórios dentro do limite de despesas e da meta de resultado primário, o que levaria a um colapso de ambas as regras", mas diz ver problemas que atrasam o ajuste das contas públicas.

"Primeiro, (a PEC) permite que se inclua R$ 12,4 bilhões de créditos adicionais referentes à diferença de inflação do fim e do meio do ano passado na base do limite (de gastos), algo que não estava previsto na regra original e que poderia gerar um espaço adicional para os próximos anos", disse. "Segundo, a incorporação de 10% ao ano do valor de precatórios no cálculo da meta nos parece excessivamente gradual. Seria melhor uma mudança mais rápida para que a meta reflita de forma mais fidedigna o esforço fiscal."

O parecer apresentado por Baleia Rossi foi negociado com o governo e substitui a proposta original do relator, que previa classificar o principal dos precatórios e Requisições de Pequeno Valor (RPVs) como despesa primária; e os juros e a correção, como despesa financeira. A avaliação interna era de que essa medida poderia abrir um espaço fiscal bilionário, mas comprometeria a transparência.

Na avaliação de integrantes da equipe econômica, essa nova regra proposta na PEC impõe um desafio adicional ao estrear justamente em 2026, ano em que ainda haveria o "waiver" concedido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para os precatórios, o que reduz o espaço fiscal disponível e justifica a necessidade de incorporar os créditos no limite.

O governo também conseguiu emplacar no parecer uma redução do teto para classificação de pagamentos como RPV, que caiu de 60 para 40 salários mínimos. Essa mudança amplia o montante a ser pago via precatórios e reduz o valor destinado às RPVs. Segundo técnicos da equipe econômica, isso gera um alívio momentâneo nas contas públicas, já que o prazo de pagamento das RPVs é de 60 dias.

De acordo com o economista Marcos Mendes, diante da incapacidade do governo de promover um ajuste fiscal, a solução adotada para os precatórios na PEC representa uma alternativa menos prejudicial do que a manobra contábil de classificá-los como despesa financeira.

Isso porque, segundo o economista, evita distorções no registro contábil desses pagamentos e oferece uma saída gradual para a questão dos precatórios, incorporando-os paulatinamente ao resultado oficial e forçando o governo a se ajustar à medida que os recursos vão voltando para a conta. "E não há uma ação oportunista de aumentar o teto a pretexto de resolver a questão dos precatórios", emendou.

O parecer também inclui uma mudança que antecipa o prazo de apresentação, pelo Poder Judiciário ao Poder Executivo, do montante total dos débitos decorrentes de precatórios, permitindo que o governo federal tenha essa informação antes do envio do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias ao Legislativo.

Segundo Mendes, essa medida aprimora o planejamento ao permitir maior precisão sobre o valor a ser pago em precatórios. Haverá um pequeno benefício para quem entrar em 2027, já que os precatórios daquele ano vão cobrir apenas o período de abril de 2025 a janeiro de 2026, ou seja, menos de um ano de acumulação. No entanto, esse efeito se ajusta a partir de 2028, segundo ele. (COLABORARAM PEPITA ORTEGA E VICTOR OHANA)

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