O Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP) pede que seja anulada a decisão da juíza Marcia Mayumi Okoda Oshiro, da 2ª Vara de Crimes Tributários, Organização Criminosa e Lavagem de Bens e Valores da Capital, que rejeitou parcialmente a denúncia oferecida contra Andrés Sanchez, ex-presidente do Corinthians, e Roberto Gavioli, ex-diretor financeiro, no caso envolvendo o uso indevido dos cartões corporativos do clube. A magistrada rejeitou as imputações relativas aos crimes de lavagem de dinheiro e crimes tributários por falta de justa causa, mas manteve o crime de apropriação indébita qualificada. O caso foi divulgado pelo Uol e confirmado pelo Estadão.
O promotor Cássio Roberto Conserino criticou a decisão nos autos do processo e afirmou que Oshiro deveria ter analisado um pedido de seu afastamento do caso. Ele cita relação de subordinação acadêmica da juíza ao advogado de Andrés, Fernando José da Costa, na Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), onde o responsável pela defesa do ex-presidente corintiano é coordenador do curso de direito e responsável pela contratação da magistrada. Conserino também criticou a morosidade para sair a decisão, que levou 60 dias para ser apreciada.
O Estadão entrou em contato com a defesa de Andres e Gavioli e a matéria será atualizada em caso de manifestação.
Ao rejeitar a acusação de lavagem de dinheiro, a juíza argumentou que o crime exige a ocultação ou dissimulação dos valores com a finalidade de reinserção na economia formal com aparência de licitude. A magistrada argumentou que o gasto e consumo das verbas em compras pessoais com o cartão corporativo não configuram ocultação, mas sim o crime de apropriação indébita, sendo os gastos em locais como H-Stern, Hospital Einstein, Brooksfield e Supermercado Sondas "meros atos de usufruto do proveito criminoso, inaptos a caracterizar a lavagem".
Quanto aos possíveis crimes tributários, a magistrada levou em consideração a jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal, que os define como crimes materiais. Ou seja, a tipificação só ocorre após o lançamento definitivo do tributo, o que não foi comprovado nos autos.
Oshiro também declarou a incompetência da 2ª Vara para julgar o crime de apropriação indébita, determinando a redistribuição dos autos para uma das varas comuns. Em contrapartida, a magistrada manteve medidas urgentes e deferiu o bloqueio de valores nas contas bancárias de Andrés e Gavioli em até R$ 480 mil. Eles também estão proibidos de manter contato com testemunhas e dirigentes do Corinthians e não podem deixar o País sem autorização judicial.
Agora, o Ministério Público aguarda a apreciação da juíza para o pedido de seu afastamento do caso. Simultaneamente, o MP irá entrar com um recurso para reverter a rejeição parcial da denúncia.
Andrés Sánchez pediu afastamento por tempo indeterminado do Conselho Deliberativo (CD), onde tem a posição vitalícia, e do Conselho de Orientação (Cori), no qual é membro nato. Gavioli também foi afastado de sua função como diretor financeiro por tempo indeterminado.
ENTENDA O CASO
A investigação do MP-SP sobre gastos indevidos no Corinthians teve início em agosto deste ano após reportagem do GE indicar movimentações suspeitas na gestão de Duílio Monteiro Alves. Apenas na última semana de outubro de 2023, o Corinthians gastou R$ 32,5 mil no Oliveira Minimercado, cujo endereço, segundo apurou a promotoria, não consta "qualquer comércio ou resquício de comércio".
Outras despesas constatadas foram com cerveja, picanha, sorvete, frutas, legumes, água sanitária, amaciante de roupas, detergentes, pizzas, peixes, doces, isqueiros, flores, ração animal, bijuteria feminina e cachorro de pelúcia. À época, o presidente se defendeu. "Supostas planilhas e faturas da minha gestão, divulgadas em perfis anônimos com objetivo político de assassinar reputações nas redes sociais, requeri ao clube acesso a tais documentos, a fim de que pudesse checar sua veracidade."
A polêmica sobre uso indevido dos cartões corporativos veio à tona semanas antes, em junho, com faturas do cartão corporativo do clube vazadas nas redes sociais. O ex-presidente Andrés Sanchez admitiu ter feito uso, mas por engano, ao confundir seu cartão pessoal com o do clube durante uma viagem de Réveillon entre o final de 2020 e o início de 2021. O gasto foi de R$ 9.416 e, em contato com o Estadão, ele afirmou ter ressarcido o clube em R$ 15 mil.
Em 19 de julho, o Corinthians registrou boletim de ocorrência após ser constatado o sumiço de registros sobre controle de despesas. A ausência dos documentos foi percebida após Romeu Tuma Jr, presidente do Conselho Deliberativo, ordenar a preservação de todos os documentos correspondentes e de suporte dos últimos sete anos.
A diretoria acredita que os papéis foram subtraídos durante os incidentes de 31 de maio, quando o presidente afastado Augusto Melo apareceu no Parque São Jorge reivindicando o cargo com base em uma decisão tomada pela 1ª Secretária do Conselho Deliberativo, Maria Angela de Sousa Ocampos, que cancelou a reunião que deu andamento ao processo de impeachment contra o dirigente.
Uma grande confusão tomou conta da sede naquele dia e o Batalhão de Choque da Polícia Militar precisou ser acionado ao local. Apesar do tumulto, os argumentos de Augusto foram considerados sem base estatutária e Osmar Stabile se manteve na função de presidente interino.
Augusto Melo foi denunciado pelo Ministério Público por lavagem dinheiro, furto qualificado pelo abuso de confiança e organização criminosa, crimes aos quais é associado no inquérito policial sobre o Caso Vai de Bet. Ele nega todas as acusações, e sua defesa entrou com pedido de rejeição sumária da denúncia do MP, "em razão das nulidades processuais, direcionamento indevido da investigação e incompetência material".