Política
17h00 15 Maio 2025
Atualizada em 15/05/2025 às 17h00

'Retidão e honradez': réu por propina, governador do AC cria Código de Ética para assessores

Por Fausto Macedo e Rayssa Motta Fonte: Estadão Conteúdo

O governador Gladson de Lima Cameli, réu por corrupção, peculato, organização criminosa, lavagem de dinheiro e fraude à licitação em sua gestão, criou por decreto o Código de Ética da Alta Administração do Estado do Acre. Em 38 artigos, o texto impõe a todo 'agente político' a obrigação de atuar com 'retidão e honradez'.

O artigo 10 do manual Cameli inclui na categoria 'agente político' os secretários de Estado, secretários-adjuntos e cargos a eles equiparados, e também os presidentes das entidades da Administração Indireta.

A regra impõe a esse grupo 'satisfazer o interesse público e evitar obter proveito ou vantagem pessoal indevida para si ou para terceiro'.

"A observância do interesse público, especialmente no que diz respeito à proteção e manutenção do patrimônio público, implica o dever de se abster o agente político de qualquer ato que importe em enriquecimento ilícito, gere prejuízo ao erário, atente contra os princípios da Administração Pública ou viole direito de particular", reza o artigo 11.

Na semana passada, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça prorrogou por mais 180 dias um rol de medidas cautelares impostas a Cameli no âmbito da ação penal que ele responde - o governador não pode manter contato com testemunhas e com outros investigados, não pode sair do País e está com bens bloqueados.

O Código de Cameli, em vigor desde a última terça, 13, determina aos agentes políticos: "devem se pautar pelos padrões de ética, sobretudo no que diz respeito à integridade, à moralidade, à impessoalidade, à clareza de posições e ao decoro, visando a motivar o respeito e a confiança do público em geral."

O parágrafo único do artigo 2.º prevê que 'os padrões éticos são exigidos no exercício e na relação entre as atividades públicas e privadas, de modo a prevenir eventuais conflitos de interesses'.

O artigo 3.º define as normas fundamentais de conduta dos agentes políticos visando, especialmente, 'tornar claras as regras éticas de conduta dos agentes políticos, para que a sociedade possa aferir a integridade e a lisura do processo decisório governamental; contribuir para o aperfeiçoamento dos padrões éticos dos demais agentes públicos, a partir do exemplo dado pelos agentes políticos; preservar a imagem e a reputação do administrador público, cuja conduta esteja de acordo com as normas éticas'.

O código institui regras básicas sobre conflitos de interesses públicos e privados e limitações às atividades profissionais posteriores ao exercício de cargo público - 'minimizar a possibilidade de conflito entre o interesse privado e o dever funcional dos agentes políticos'.

Configura conflito de interesse e conduta antiética, de acordo com o texto, dentre outros comportamentos, o investimento em bens cujo valor ou cotação possa ser afetado por decisão ou política governamental a respeito da qual o agente político tenha informações privilegiadas em razão do cargo ou função.

Também se enquadra nessa situação o 'custeio de despesas por particulares de forma a influenciar nas decisões administrativas'.

"O agente político deve esclarecer a existência de eventual conflito

de interesses e comunicar qualquer circunstância ou fato impeditivo de sua participação em decisão coletiva ou em órgão colegiado", diz o texto aprovado por Cameli.

Na ação penal a que responde no STJ, o governador do Acre é acusado de ter agido para liberar recursos para uma empresa contratada sem licitação. O processo foi aberto por decisão unânime da Corte Especial do STJ, no ano passado, quando a denúncia contra Cameli foi recebida por todos os ministros do colegiado.

A denúncia imputa ao chefe do Executivo liderança de um esquema que teria desviado R$ 16 milhões em recursos públicos. Na ocasião, a Polícia Federal sugeriu o afastamento do governador, mas o tribunal entendeu que não é o caso porque os fatos a ele atribuídos teriam ocorrido em 2019 - ele está em segundo mandato. Cameli sempre negou ligação com atos ilícitos.

A relatora da ação penal, ministra Nancy Andrighi, anotou que eventual afastamento de Cameli pode voltar a ser decidido no âmbito de outros inquéritos que correm contra ele.

As investigações tiveram origem na Operação Ptolomeu. Segundo o Ministério Público Federal, uma empresa teria sido contratada pelo Estado por meio de adesão a ata de registro de preços de Goiás. Os serviços previstos na ata diziam respeito a manutenção predial, porém a Procuradoria afirma que a maior parte da execução contratual no Acre tinha relação com obras viárias.

Ainda segundo o MPF, logo após a contratação, a empresa teria firmado contrato de parceria com outra empresa, de propriedade do irmão do governador, em 'uma espécie de contratação indireta da sociedade comandada por parente próximo a Cameli'.

A ministra relatora destacou em seu voto que, de acordo com a denúncia, a organização criminosa supostamente liderada pelo governador teria sido formada a partir de vários núcleos - político, familiar, empresarial e operacional.

A Controladoria-Geral da União apontou que, além da dispensa indevida de licitação, há indícios de que teria havido 'terceirização integral' e subcontratação do objeto do contrato, o que é vedado pela legislação.

Quanto aos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, segundo a denúncia do Ministério Público Federal, provas reunidas nos autos indicam pagamento de propinas a Cameli - com esse dinheiro, ele teria comprado um apartamento em São Paulo, avaliado em R$ 5 milhões, e um carro de luxo.

Artigo 12 do Código de Ética da Alta Administração do Acre. "O agente político não utilizará bens ou recursos públicos, humanos

ou materiais, para fins pessoais, particulares, políticos ou partidários, nem se valerá de sua função para obtenção de vantagem indevida."

Artigo 13. "A idoneidade é condição essencial para ocupação de cargos políticos ou comissionados no Poder Executivo."

O 14 prevê os deveres do agente político: agir com lealdade e boa-fé, ser justo e honesto no desempenho de suas funções e em suas relações com os demais agentes públicos e com os usuários do serviço público.

Outra obrigação, segundo a cartilha. "Não ceder às pressões que visem a obter quaisquer favores, benesses ou vantagens indevidas."

O artigo 15 diz que é vedado ao agente político 'utilizar-se de cargo, emprego ou função, de facilidades, amizades, posições e influências, para obter favorecimento, para si ou para outrem em qualquer

órgão e/ou entidade públicos, exercer atividade profissional antiética ou relacionar o seu nome a empreendimento que atente contra a moral pública'.

E mais: o agente político não poderá receber salário ou outra remuneração de fonte privada 'em desacordo com a lei'.

O decreto de Cameli manda constituir uma Comissão de Ética da Alta Administração Pública formada por 'três membros titulares e respectivos suplentes, de reputação ilibada e notória experiência em administração pública, nomeados pelo governador do Estado',

A finalidade da Comissão é 'orientar sobre as normas de conduta ética dos agentes políticos, permitindo que a sociedade avalie a integridade e a transparência do processo decisório governamental (...) contribuir para a melhoria dos padrões éticos da Administração Pública'.

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