O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou nesta terça-feira, dia 7, ao receber visita do primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, que os países do Brics rejeitam as ameaças do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de taxar em 10% a mais países que se alinharem ao bloco emergente e ao que chamou de políticas "antiamericanas" do grupo.
"Não aceitamos nenhuma reclamação contra a reunião do Brics", disse Lula, no Palácio da Alvorada, um dia após a reunião de cúpula no Rio. "Não concordamos quando ontem o presidente dos EUA insinuou que vai taxar os países do Brics."
Modi ignorou o assunto em declaração à imprensa. O premiê nacionalista cultiva laços com Trump e negocia um alívio nas tarifas bilaterais de 26% impostas pelo americano à Índia, em 2 de abril. Trump disse que, dentro da pausa de 90 dias para negociações, o governo indiano acenou com um acordo para zerar tarifas.
A Casa Branca vem anunciando desde ontem novas tarifas a países que não conseguiram entrar em acordo com os EUA, mas não incluiu ainda Brasil e Índia nesse novo pacote.
Desde o início do governo Trump, Brasil e Índia figuram na lista de reclamações das autoridades de comércio americanas como países que impõem taxas elevadas aos EUA.
Pouco após seu retorno à Casa Branca, Trump também ameaçou antes impor 100% de tarifaço se os Brics criassem uma moeda comercial para substituir o dólar - assunto que o grupo deixou de lado na presidência brasileira, e que também não interessa aos indianos.
Lula respondeu novamente à alegação de Trump de que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) sofre "perseguição" e "caça às bruxas" judicial no Brasil.
"Somos países soberanos, não aceitamos intromissão de quem quer que seja nas nossas decisões soberanas, no jeito que cuidamos do nosso povo. Defendemos o multilateralismo, porque foi o sistema que depois da 2ª Guerra permitiu que o mundo chegasse ao Estado de harmonia que está sendo deformado hoje pelo surgimento do extremismo."
Reforma do Conselho de Segurança
O presidente brasileiro defendeu ainda que ambos países pregam a paz e devem ser incluídos na reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas. "É inaceitável que países do porte da Índia e do Brasil não ocupem assentos permanentes no Conselho de Segurança da ONU", disse Lula.
O petista disse que Índia e Brasil primam pela paz e que os membros do conselho estimulam a guerra.
Lula solidarizou-se com a Índia por atentados terroristas na região da Caxemira, região de conflitos com o Paquistão, e disse que a extensão territorial dos países deve ser respeitada.
No plano bilateral, Lula defendeu que países superlativos não podem se distanciar. Ele reclamou do patamar de comércio bilateral - US$ 12 bilhões - e lembrou que há 20 anos tinha o objetivo de chegar a US$ 15 bilhões. "Nosso fluxo comercial não está à altura de nossas economias", afirmou Lula. "Estamos determinados a acelerar essa meta triplicando esse valor em curto prazo."
Lula pediu a ampliação do Acordo Comercial entre Mercosul e Índia, reduzindo barreiras tarifárias e não tarifárias, dizendo que ele cobre somente 14% das exportações brasileiras, apesar de recentes aberturas de mercado para o algodão e o frango.
Modi, por sua vez, sugeriu que os governos trabalhem para alcançar a cifra de US$ 20 bilhões em cinco anos, no comércio bilateral.
Os governos assinaram seis acordos, entre eles propriedade intelectual, transformação digital, segurança pública, energia, agricultura. Três deles foram assinados por ministros na presença de Lula e Modi: sobre o combate ao terrorismo internacional e ao crime organizado transnacional; cooperação em energia renovável; e compartilhamento de soluções digitais.
Negócios com a Embraer
O Brasil tenta vender para a Índia aviões comerciais e militares da Embraer, como o C-390 Millenium, e a companhia já ofereceu inclusive a possibilidade de abrir unidades em solo indiano. A Força Aérea indiana abriu concorrência para comprar um novo modelo de aeronave média de transporte.
A oferta da Embraer envolve instalar uma linha de produção do KC-390 em solo indiano, se for selecionado, um aceno ao governo Modi, que dez anos atrás lançou o programa de incentivo à produção industrial local - Make in India. A aquisição de cerca de 80 aviões está em discussão no governo. Em maio, a empresa abriu um escritório em Nova Délhi, e disputa esse mercado em parceria com a indiana Mahindra, para implementar uma cadeia de suprimentos local. A decisão está pendente.
"Expus ao primeiro-ministro Modi a disposição da Embraer de consolidar sua presença na Índia em parceria com empresas locais, com transferência de tecnologia e formação profissional. Os aviões da empresa podem ajudar a consolidar o plano para que todos os indianos possam voar", afirmou Lula, lembrando que os comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica já visitam a Índia desde o início de seu governo.
Segundo pessoas que participaram da conversa reservada, Modi e Lula fizeram uma ampla reunião de 1h15 e discutiram uma variedade de assuntos da pauta entre os países, sem dedicar tempo a tarifas de Trump.
Desde 2023, os dois governos tentam também fomentar o etanol como combustível menos poluente, e o Brasil espera não somente abrir mais o mercado indiano para a produção nacional como vender a tecnologia industrial das usinas e do setor automotivo para adaptar a frota indiana. Durante a cúpula do G-20, naquele ano, Índia e Brasil lançaram uma aliança global para promover os biocombustíveis.
O petista condecorou Modi, fez questão de afagá-lo e agradecer a visita de Estado a Brasília e a participação no Brics, que teve uma cúpula desfalcada por ausências. Ele presenteou o premiê indiano com queijos mineiros.
Modi e seu partido, o BJP, são acusados na Índia de estimular o nacionalismo hindu contra minorias religiosas, como os muçulmanos, e restringir a liberdade de imprensa. A Índia é marcada por casos recorrentes de violência sexual contra mulheres. Mesmo assim, Lula exaltou a "solidez" das democracias em ambos países, a diversidade cultural e a pujança econômica.