A fome foi oficialmente confirmada na região de Cidade de Gaza e pode se espalhar em um prazo de duas semanas para mais dois centros populacionais na Faixa de Gaza, de acordo com a Classificação Integrada de Fases de Segurança Alimentar (IPC, na sigla em inglês), a autoridade global sobre a fome no mundo e apoiada pela ONU, em um relatório divulgado nesta sexta-feira, 22.
Segundo o relatório, o recente colapso de insegurança alimentar é considerado como a "pior deterioração" do território desde que o instituto começou a monitorar Gaza em 2023.
Após 22 meses de guerra, deslocamento e severas restrições israelenses a alimentos e outras ajudas, mais de 500 mil pessoas na Cidade de Gaza e seus arredores estão enfrentando condições catastróficas "caracterizadas por fome, miséria e morte" sob critérios que atendem ao limiar da fome, disse o IPC.
"Como essa fome é completamente causada pelo homem, ela pode ser interrompida e revertida", aponta o relatório. "O tempo para debate e hesitação passou, a fome está presente e se espalhando rapidamente. Não deveria haver dúvida na mente de ninguém de que uma resposta imediata e em grande escala é necessária." Sem uma ação rápida, incluindo um cessar-fogo, "as mortes evitáveis irão aumentar exponencialmente", alertou o documento.
Aumento da fome
De acordo com o relatório, o número de pessoas experimentando condições de fome deve chegar a um terço da população total da Faixa de Gaza em setembro, com as condições severas se espalhando para a região de Deir al-Balah, no centro de Gaza, e Khan Younis, no sul do território palestino.
O documento foi divulgado em meio a uma ofensiva das Forças de Defesa de Israel (FDI) para tomar o controle total da Cidade de Gaza, a maior cidade da Faixa de Gaza.
A ofensiva incluirá o deslocamento em massa dos residentes na cidade, de acordo com o Exército de Israel.
O relatório marca a primeira vez que a fome foi confirmada em Gaza e na região do Oriente Médio, de acordo com a Organização Mundial da Saúde. Desde meados de agosto, cerca de 1 milhão de pessoas em todo o território palestino já estavam enfrentando níveis de insegurança alimentar "emergenciais" - um passo abaixo da fome - incluindo desnutrição aguda e mortalidade excessiva causada por lacunas no consumo de alimentos, de acordo com o IPC.
"A completa paralisação das entregas de alimentos humanitários e comerciais em março e abril, seguida por volumes criticamente baixos até julho, juntamente com o colapso da produção local de alimentos levou a extrema escassez de alimentos", disse o relatório. "Embora 55.600 toneladas métricas de alimentos tenham entrado em Gaza na primeira metade de agosto, isso permanece amplamente insuficiente para compensar os déficits prolongados. Além disso, desafios de segurança e operacionais impediram que grande parte dos alimentos alcançassem a população."
Em nota, o IPC disse que os números de seu relatório são subestimados porque só incluem as populações analisadas e classificadas nas regiões da Cidade de Gaza, Deir al-Balah e Khan Younis. Eles excluem qualquer população restante em Rafah, no sul, "já que a cidade é amplamente desabitada" depois que uma grande ofensiva militar israelense destruiu grande parte da cidade.
Israel contesta relatório
O primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, negou que haja fome em Gaza, chamando relatos de inanição de "mentiras" promovidas pelo grupo terrorista Hamas. Após a publicação de imagens de crianças emaciadas em Gaza e relatórios de mortes relacionadas à fome, Israel anunciou medidas para permitir a entrada de mais ajuda humanitária. No entanto, a ONU e os palestinos em Gaza dizem que o que está entrando está muito abaixo do necessário.
A agência militar israelense responsável pela transferência de ajuda para o território, conhecida como COGAT, rejeitou o relatório do IPC nesta sexta-feira, classificando-o como "falso e tendencioso". A agência rejeitou a afirmação de que havia fome em Gaza e disse que passos significativos foram tomados para expandir a quantidade de ajuda entrando no território palestino nas últimas semanas.
Em uma publicação nas redes sociais, o ministério das Relações Exteriores de Israel também rejeitou as conclusões, dizendo que o relatório do IPC estava "baseado em mentiras do Hamas." A pasta afirmou que mais de 100 mil caminhões de ajuda entraram em Gaza desde o início da guerra, incluindo um influxo maciço nas últimas semanas com alimentos básicos.
Como a fome é determinada?
Decisões formais sobre a existência de fome são raras. O IPC já determinou a existência de fome na Somália em 2011, no Sudão do Sul em 2017 e 2020, e em partes da região oeste de Darfur, no Sudão, no ano passado.
O IPC diz que existe fome em uma área quando todas as três seguintes condições são confirmadas: pelo menos 20% dos domicílios têm uma falta extrema de comida, ou estão essencialmente passando fome. Pelo menos 30% das crianças de 6 meses a 5 anos sofrem de desnutrição aguda ou desgaste, o que significa que estão muito magras para a sua altura. E pelo menos duas pessoas, ou quatro crianças menores de 5 anos, por 10 mil estão morrendo diariamente devido à fome ou à interação da desnutrição e doença.
A guerra na Faixa de Gaza já deixou mais de 60 mil mortos no território palestino, segundo o ministério da Saúde de Gaza, que é controlado pelo Hamas e não diferencia civis de terroristas. O conflito começou no dia 7 de outubro de 2023, quando terroristas do Hamas invadiram o sul de Israel, mataram 1,2 mil pessoas e sequestraram 250. Cerca de 50 reféns israelenses seguem em Gaza e 20 deles são considerados vivos pelo Exército de Israel. (Com agências internacionais).