A Polícia Federal deflagrou ontem uma operação contra um grupo suspeito de desvio de recursos públicos por meio de fraude em licitações no Ceará. O principal alvo foi o deputado Júnior Mano (PSB-CE) - agentes vasculharam o gabinete do parlamentar na Câmara e residências dele em Brasília e no Estado. Ele é investigado desde 2024. O Estadão teve acesso a relatório da PF que apontou a ligação do deputado com esquema de desvios envolvendo emendas parlamentares.
Júnior Mano negou irregularidades e disse não ter "qualquer participação em processos licitatórios, ordenação de despesas ou fiscalização de contratos administrativos" (detalhes no final da matéria).
Segundo dados do Painel de Emendas, em cinco anos, Júnior Mano destinou cerca de R$ 120 milhões em recursos públicos para municípios do Ceará. A principal suspeita da Operação Underhand é de que repasses direcionados pelo deputado, às vésperas do pleito de 2024, tenham sido "pulverizados" em licitações fraudadas - antes do período de veto imposto pela legislação eleitoral - e abastecido o caixa de políticos apoiados por Júnior Mano.
Manipulação
O deputado do PSB exercia "papel central" na manipulação de eleições de pelo menos 50 municípios cearenses, segundo o inquérito da PF. Os investigadores afirmam haver indícios de que Júnior Mano "estaria diretamente envolvido no desvio de emendas, utilizadas para alimentar o esquema (de compra de votos) e consolidar sua base de apoio político".
Ainda conforme a PF, o esquema seria liderado por um apadrinhado de Júnior Mano, Carlos Alberto Queiroz Pereira, o Bebeto do Choró (PSB). Prefeito eleito de Choró (CE) em 2024, ele foi impedido de assumir o cargo pela Justiça Eleitoral e está foragido. Bebeto seria o encarregado de abordar gestores públicos e oferecer emendas de Júnior Mano em troca de comissão. A defesa não foi localizada.
STF
A operação desta terça-feira, 8, foi autorizada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes. A Corte é a instância competente para investigar deputados federais. Foram cumpridos 15 mandados de busca e apreensão em Brasília e em cinco municípios cearenses: Fortaleza, Nova Russas, Eusébio, Canindé e Baixio. Foi determinado o bloqueio de R$ 54,6 milhões em contas bancárias de pessoas físicas e jurídicas investigadas.
O inquérito teve início a partir de denúncia da ex-prefeita de Canindé Rozário Ximenes (Republicanos). Em depoimento ao Ministério Público, em setembro de 2024, ela relatou que empresários operaram esquema de desvio de emendas em 51 municípios do Ceará e que Júnior Mano atuava em conluio com Bebeto para desviar e lavar dinheiro de emendas.
'Ele lava'
Rozário tentou eleger um sucessor na prefeitura de Canindé, mas quem venceu foi Professor Jardel (PSB), ligado a Bebeto. Em entrevista ao Estadão, em janeiro, a ex-prefeita disse que Bebeto tinha acesso nas prefeituras "a mando" de Júnior Mano. "O deputado concede as emendas, e ele (Bebeto) lava."
O Ministério Público Eleitoral no Ceará pediu a cassação do mandato de Professor Jardel. A Promotoria diz que a investigação da PF apontou indícios de compra de votos. Nos imóveis do comitê, os federais encontraram R$ 56 mil em espécie, medicamentos e um caderno com nomes de eleitores associados a valores.
"O caderno se revela como peça-chave da investigação, funcionando como registro informal de uma rede sistemática de cooptação de sufrágios em que o voto era associado a benefício material direto, seja em forma de pagamento em dinheiro ou fornecimento de remédios", assinalou o promotor Jairo Pereira Pequeno Neto, da 33.ª Zona Eleitoral do Ceará.
Citado
A investigação da PF também cita suspeitas de irregularidades envolvendo emendas do líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE). Segundo a PF, Bebeto falou sobre a possibilidade de desvios em emendas do petista.
Guimarães não foi alvo da operação. Em nota, afirmou que não é investigado. "Sobre Choró, reafirmo que não destinei emendas à localidade. Em relação a Canindé, consulta ao portal da Câmara comprova que não destinei nenhuma emenda nos anos de 2024 e 2025."
Parlamentar nega atuação em processos licitatórios
Em nota, o deputado Júnior Mano (PSB-CE) negou envolvimento em irregularidades e afirmou que não tem "qualquer participação em processos licitatórios, ordenação de despesas ou fiscalização de contratos administrativos". "Como parlamentar, o deputado não exerce qualquer função executiva ou administrativa em prefeituras e não participa de comissões de licitação", diz o comunicado.
O parlamentar declarou ainda que "reafirma sua confiança nas instituições, em especial no Poder Judiciário e na Polícia Judiciária Federal, e reitera seu compromisso com a legalidade, a transparência e o exercício probo da função pública". "Tem plena convicção de que, ao final da apuração, a verdade dos fatos prevalecerá, com o completo esclarecimento das circunstâncias e o reconhecimento de sua correção de conduta."
A liderança do Partido Socialista Brasileiro (PSB) na Câmara, também em nota, disse esperar que "todos os fatos sejam investigados e esclarecidos o mais breve possível, respeitando o devido processo legal e a ampla defesa".
As defesas de Bebeto do Choró e do prefeito Professor Jardel não foram localizadas.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.