Política
07h50 11 Setembro 2025
Atualizada em 11/09/2025 às 07h50

Fux vota para absolver Bolsonaro por tramar golpe de Estado e demais crimes

Por Rayssa Motta e Guilherme Caetano Fonte: Estadão Conteúdo

O ministro Luiz Fux votou nesta quarta-feira, 10, pela absolvição do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) de todos os cinco crimes imputados a ele na denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) na ação penal do golpe. Em um posicionamento que durou cerca de 12 horas, o ministro condenou o tenente-coronel Mauro Cid - delator do caso - e o general Walter Braga Netto - ex-ministro da Defesa e da Casa Civil e ex-vice na chapa à reeleição de Bolsonaro - pelo crime de abolição violenta do estado democrático de direito.

Ele consumiu boa parte da sessão para apresentar as premissas teóricas que o levaram a descartar os crimes - à exceção de Alexandre Ramagem (deputado do PL e ex-diretor da Abin), todos os oito réus respondem por organização criminosa, tentativa de abolição violenta do estado de direito, golpe de Estado, dano qualificado com uso de violência e grave ameaça e deterioração de patrimônio tombado.

Além de Bolsonaro, Fux votou pela absolvição de todos os crimes atribuídos ao ex-comandante da Marinha Almir Garnier, aos generais Paulo Sérgio Nogueira (ex-ministro da Defesa e ex-comandante do Exército) e Augusto Heleno (ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional), a Ramagem e a Anderson Torres (ex-ministro da Justiça).

Na terça, 9, Alexandre de Moraes, relator do processo, e Flávio Dino, dois dos cinco ministros da Primeira Turma do STF, votaram por condenar Bolsonaro e outros sete réus do "núcleo crucial" por todos os crimes.

Fux não negou todas as provas, mas usou aspectos de ordem processual para justificar sua posição. Segundo o ministro, não há comprovação de que um plano de golpe tenha sido efetivamente colocado em prática por Bolsonaro. O que houve, na avaliação dele, não passou de "vaga cogitação" de medidas de exceção. Por esse entendimento, "atos preparatórios" não podem ser punidos criminalmente, forçando a absolvição. "É desarrazoado equiparar palavras a atos efetivos de violência", afirmou.

'Decreto'

Com o argumento, o ministro se opôs ao procurador-geral da República, Paulo Gonet, que afirmou que não é preciso "ordem assinada" do presidente para a caracterização dos crimes. Para Fux, sem um decreto presidencial, não é possível falar em execução de golpe. "Tudo indica que nada saiu do plano da mera cogitação. Qualquer início de ato executório envolvendo emprego de Forças Armadas dependeria necessariamente da edição de um decreto formal pelo presidente", disse o ministro.

"Para sair da mera cogitação e, enfim, dar início a atos executórios violentos, seria necessário, além da publicação formal do decreto pelo presidente, o envio de mensagem para ativação dos órgãos operacionais das Forças Armadas", acrescentou Fux.

O ministro justificou que votou para receber a denúncia da PGR porque in dubio pro societate, ou seja, em caso de dúvida sobre a autoria ou materialidade de um crime, a ação penal deve seguir em benefício da sociedade, permitindo o aprofundamento das investigações (mais informações nas págs. A10 e A11). Agora, no entanto, o ministro disse que deve prevalecer o in dubio pro reo, a presunção de inocência por dúvida razoável sobre a culpa dos acusados. "Responsabilidade criminal deve ser provada acima de qualquer dúvida", defendeu.

Os depoimentos dos ex-comandantes do Exército Marco Antônio Freire Gomes e da Aeronáutica Carlos de Almeida Baptista Jr., que confirmaram ter sido abordados por Bolsonaro com a proposta de ruptura, foram rebatidos pelo ministro. Ele disse que as versões têm "contradições" que enfraquecem a gravidade do caso. Para Fux, a apresentação de "considerandos", ainda que sobre medidas golpistas, não é crime.

8 de janeiro

O ministro também descartou a responsabilidade direta ou indireta do ex-presidente pelo 8 de Janeiro. "A responsabilidade criminal deve ser atribuída a quem efetivamente causou a destruição e não a quem nem sequer estava no local dos acontecimentos e, sobretudo, não ordenou a prática de qualquer ação", argumentou ele.

Documentos apócrifos apreendidos na investigação foram desconsiderados pelo ministro. Fux desconsiderou, por exemplo, as diferentes versões da minuta de decreto presidencial que circularam com aliados de Bolsonaro para anular o resultado da eleição presidencial de 2022, prender autoridades, intervir no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e baixar medidas de exceção no País, como estado de defesa, estado de sítio e Garantia da Lei e da Ordem (GLO).

As "minutas do golpe", como ficaram conhecidas na investigação, foram encontradas na casa de Anderson Torres e com Mauro Cid. O ministro afirmou que os documentos não passam de "uma carta de lamentação". "Minutas sem um conteúdo definido, modificadas várias vezes, não podem ser consideradas atos executórios de crime algum", disse o magistrado.

O Plano Punhal Verde e Amarelo, que previa, conforme a denúncia, assassinar o ministro Moraes e o então presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, também foi documentado. O arquivo foi impresso no Palácio do Planalto. O general Mário Fernandes, que foi secretário-geral da Presidência e atualmente é réu no "núcleo operacional" do plano de golpe, admitiu a autoria do arquivo.

Depois de imprimir o documento, o general foi ao Palácio da Alvorada, residência do presidente, onde ficou cerca de uma hora com Bolsonaro. Para Fux, a dinâmica não comprova que o então presidente sabia do plano de execução.

Outro documento que, segundo a denúncia, foi impresso no Palácio do Planalto foi o rascunho do projeto de um gabinete de crise para ser criado após a consumação do golpe. O ministro afirmou que não é possível saber com certeza se o arquivo apreendido na investigação é o mesmo que foi copiado na sede do Executivo.

'Rudimentar'

O documento Operação 142 também foi descartado por Fux. O manuscrito com propostas para anular a eleição, estender mandatos, trocar todos os ministros do TSE e impedir a posse de Lula foi encontrado pela Polícia Federal em uma pasta de "memórias importantes" na mesa do coronel Flávio Peregrino, assessor do ex-ministro Walter Braga Netto, na sede do PL, em Brasília, em fevereiro de 2024.

Fux classificou o documento como um "manuscrito rudimentar feito com caneta BIC" que, segundo ele, não passa de "uma cogitação documentada".

Fux também minimizou os ataques de Bolsonaro ao sistema eleitoral e ao Poder Judiciário, reduzidos a "bravatas". O ministro disse que o ex-presidente não foi o primeiro candidato a contestar o resultado de uma eleição e, sem citar nominalmente o senador Aécio Neves (PSDB-MG), lembrou dos questionamentos feitos pelo tucano após as eleições de 2014.

Neste ponto de sua longa explanação, o ministro criticou a multa imposta pelo TSE ao PL, partido de Bolsonaro, por pedir a anulação de parte dos votos do segundo turno das eleições de 2022. O partido foi multado em R$ 22,9 milhões por litigância de má-fé. O documento é usado na denúncia como prova de que Bolsonaro e seus aliados instigaram a militância contra o resultado das urnas. Fux argumentou que todos devem ter acesso à Justiça e que cabe ao Judiciário aceitar ou não os pedidos.

O ministro fez uma leitura praticamente integral do voto, um calhamaço de centenas de páginas, sem pular nem mesmo as referências às páginas do processo onde estavam cada uma das provas mencionadas por ele. Cada autor e acórdão citados também foram referenciados.

Em seguida, passou a analisar a situação de cada réu, e manteve a sistemática. Leu mensagens, trechos de depoimentos, passagens de argumentos das defesas e excertos da denúncia e repetiu premissas. Fux montou uma força-tarefa de juízes auxiliares do seu gabinete para analisar todas as provas do processo.

O ministro criticou a Procuradoria-Geral da República e afirmou que Gonet não apresentou uma descrição individualizada dos crimes e preferiu "adotar uma narrativa desprendida da cronologia dos fatos alegados".

Condenados

Sobre Braga Netto, Fux afirmou que, ao lado de Mauro Cid e Rafael Martins de Oliveira, o general planejou o assassinato de Moraes. "Sendo que o intuito criminoso não foi alcançado pela eventualidade de ter sido abruptamente suspensa uma sessão do plenário desta Corte. A morte violenta de um integrante da Suprema Corte seria episódio traumático para a estabilidade política do País, gerando intensa comoção social e colocando em risco a separação dos Poderes."

Para ele, o plano Copa 2022 foi um ato executório da trama golpista levado a cabo pelo réu. "Eu entendo configurado o crime do artigo 359-L do Código Penal (tentativa de abolição violenta do estado democrático de direito", afirmou Fux, que declarou o militar inocente nos demais crimes.

Com a manifestação do ministro, que considerou que o general ajudou a planejar e financiar plano para assassinar Moraes, há maioria na Primeira Turma para condenar Braga Netto por tentativa de abolição violenta do estado democrático de direito - Moraes e Dino votaram da mesma forma, formando até aqui o placar de três votos a zero pela condenação.

Braga Netto se junta a Cid neste caso, mas o ex-ajudante de ordens da Presidência ainda pode obter os benefícios da delação premiada, o que não é possível no caso do general.

Os votos do julgamento da Primeira Turma serão completados hoje pela ministra Cármen Lúcia e pelo ministro Cristiano Zanin, presidente do colegiado do Supremo. Em caso de confirmação de condenações, após a votação os ministros terão de definir a chamada dosimetria das

penas. (Colaboraram Juliano Galisi, Karina Ferreira, Gustavo Côrtes, Carolina Brígido, Adriana Victorino, Rayanderson Guerra, Hugo Henud, Pedro Augusto Figueiredo e Zeca Ferreira)

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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