A Procuradoria da República no Distrito Federal entrou com recurso para tentar reverter a decisão que determinou a redução da multa de R$ 10,3 bilhões do acordo de leniência da J&F. A decisão que mandou calcular novamente a multa foi assinada pelo juiz Antonio Claudio Macedo da Silva, da 10.ª Vara Federal Criminal do Distrito Federal, que considerou que a empresa sofreu coação e pressão do Ministério Público.
No recurso, apresentado na terça-feira, 16, o órgão contesta a redução da multa. A Procuradoria no DF afirma que a tentativa da empresa de diminuir o valor pactuado enquanto mantém os benefícios obtidos, como a imunidade contra ações cíveis e criminais, rompe de forma ilícita o equilíbrio negocial. O caso tramita em sigilo.
O Ministério Público também argumenta que a revisão parcial do acordo de leniência é vedada pela legislação. Segundo a Procuradoria do DF, a única forma possível de revisão seria desfazer integralmente o acordo - com a perda de todos os benefícios penais e cíveis -, e não a criação de um "terceiro acordo" mais vantajoso para a empresa por via judicial.
O órgão afirma que houve uma escolha estratégica e voluntária da empresa em assinar o acordo para diminuir o risco legal e garantir a continuidade saudável de suas atividades. Argumenta também que, mesmo que se considerasse a suposta coação, o prazo para anular o negócio jurídico por esse motivo teria expirado em 5 de junho de 2021 - quatro anos após a assinatura do acordo.
O grupo J&F se comprometeu a pagar R$ 10,3 bilhões ao longo de 25 anos para encerrar investigações das operações Greenfield, Sepsis, Cui Bono, Bullish e Carne Fraca.
O valor exato a ser abatido do acordo será calculado no processo ao final dos recursos, se a decisão for mantida. O juiz Antonio Claudio determinou que o novo cálculo leve em consideração o faturamento do grupo no Brasil, excluindo da conta lucros relativos a negócios fora do País, e desconte valores pagos pela empresa e suas afiliadas ao Departamento de Justiça dos Estados Unidos "em razão dos mesmos fatos" (US$ 128 milhões).
O Ministério Público Federal alega que o cálculo da multa levou em conta o faturamento global do grupo para adequar a proposta de sanção e ressarcimento à real capacidade de pagamento, permitindo inclusive ressarcimento a fundos de pensão lesados.
A J&F alega que o cálculo foi abusivo. O juiz reconheceu o risco de "virtual aniquilação corporativa" e falência pelo cumprimento do acordo. A Procuradoria da República no DF contesta e destaca que a multa foi dividida por 25 anos.
A J&F estima que a multa seja reduzida para cerca de R$ 1 bilhão. Mas, desde 2017, quando fechou o acordo, a empresa pagou R$ 2,9 bilhões.
Como mostrou o Estadão, se a decisão for mantida, a J&F pode pedir judicialmente a devolução do excedente. A empresa ainda não decidiu se fará o requerimento.
Uma ordem judicial para obrigar a União a devolver valores pagos a partir de um acordo de leniência seria inédita. Juristas ouvidos pela reportagem consideram o cenário improvável.